sexta-feira, dezembro 30, 2005

A Pos(s)e

Sobre As Nossas Cabeças

Sobre as nossas cabeças
brilham as constelações
E as próprias mãos
se estendem
para o fogo...
Como é horrível
que as pessoas
se habituem
a fechar os olhos
e a não se espantarem
com o dia.

(Robert Rojdéstvenski, 1932-, poeta soviético)

Bom Ano 2006!

quinta-feira, dezembro 29, 2005

14 Versos do Canto I

«Os Cantos», traduzidos por José Lino Grünewald,
para a Editora Nova Fronteira,
adquirido em 1988 na Livraria Leitura, Porto.
Estava ainda longe a edição «portuguesa», como quase tudo
que aparece «novo» em Portugal.

Canto I

E pois com a nau no mar,
Assestamos a quilha contra as vagas
E frente ao mar divino içamos a vela
No mastro sobre aquela nave escura,
Levamos as ovelhas a bordo e
Nossos corpos também no pranto aflito,
E ventos vindos pela popa nos
Impeliam adiante, velas cheias,
Por artifício de Circe,
A deusa benecomata.
Assim no barco assentados
Cana do leme sacudida em vento
Então com vela tensa, pelo mar
Fomos até ao término do dia.

Boa noite!

terça-feira, dezembro 27, 2005

Nada, nem mesmo a chuva

BlockquoteNobody, not even the rain, has such small hands. e.e.cummings

Nada, nem mesmo a chuva

tem tão pequenas gotas

como as lágrimas que se movem

dentro do coração.

E as pequenas mãos

que sobem pelo rosto

das mães? Ninguém

como elas tem a chave

para tão pequenas nuvens.

Ninguém, nem mesmo o silêncio

tem tão pequenas mãos

para abrir tão fechado

domínio.

segunda-feira, dezembro 26, 2005

O Homem da Guitarra Azul

O homem dobrou-se sobre a sua guitarra,
uma espécie de ceifeiro. O dia estava verde.

Disseram, «Tens uma guitarra azul,
não tocas as coisas como elas são.»

Ele replicou, «As coisas como são
mudam-se sob uma guitarra azul».

Então disseram-lhe, « Deves tocar
uma canção para além de nós, mas que seja nós,

uma canção na guitarra azul,
das coisas exactamente como são.»

(Tradução:J.T.P)

O Tradutor

Comemoração do centenário do prof. Paulo Quintela, o Tradutor de Rilke

domingo, dezembro 25, 2005

Diálogo

O Natal é quase




















O Natal é quase a cinza
da lareira,
e no silêncio voga
o ladrar de um cão.
Sinais de cada vida
nas janelas, o Natal
é comido à roda duma mesa,
apenas as crianças
salvam o Natal,
aprendem a soletrar
a sua nova prenda.

24-12-2005

sábado, dezembro 24, 2005

A Árvore de Natal no Espaço


Uma astrofísica portuguesa, Paula Teixeira, descobriu
no seio da árvore a «maternidade» de estrelas bebés,
noticiava o Público.

Lucas, II, 6-11

The Holy Bible, Oxford, 1891

6. E aconteceu que, estando eles ali, se cumpriram os dias em que ela havia de dar à luz.
7. E deu à luz a seu filho primogénito, e envolveu-o em panos,
e deitou-o numa mangedoura, porque não havia lugar para eles na estalagem.
8. Ora, havia naquela mesma comarca pastores que estavam no campo,
e guardavam durante as vigílias da noite o seu rebanho.
9. E eis que o anjo do Senhor veio sobre eles, e a glória do Senhor os cercou de resplendor, e tiveram grande temor.
10. E o anjo lhes disse: Não temais, porque eis aqui vos trago novas de grande alegria, que será para todo o povo;
11. Pois, na cidade de Davi, vos nasceu hoje o Salvador, que é Cristo, o Senhor.

sexta-feira, dezembro 23, 2005

O Homem da Guitarra Azul

The man bent over guitar,
A shearsman of sorts. The day was green.

They said, «You have a blue guitar,
You do not play things as they are»

The man replied, «Things as they are
Are changed upon the blue guitar».

And they said then, «But play, you must,
A tune beyond us, yet ourselves,

A tune upon the blue guitar
Of things exactly as they are».

(Wallace Stevens)

quinta-feira, dezembro 22, 2005

Memórias

Com a mulher, na escada principal do antigo Aeroporto da Portela, em 1968, no dia do embarque para uma guerra colonial (Angola).

quarta-feira, dezembro 21, 2005

Memórias

Ao que vens agora,
memória,
fazer contas à vida?
Reduzir algumas rugas à beleza
do rosto que brilha ainda
por estar tão próximo do sol?
Juventude,
ao que vens agora,
intranquilizar a meia-idade?
Quisera que o tempo
fosse indeciso
e parasse
na rosa rectílinea
dos dedos cansados
de segurar a minha vida.
Ao que vens agora,
adolescência,
com essa música?
Que desafia as minhas mãos
para o corpo amado-um silêncio
que como gôndola desfila.

terça-feira, dezembro 20, 2005

Poeta em Nova Iorque


Asesinato

Cómo fue?
Una grieta en la mejilla.
Eso es todo!
Una uña que aprieta el tallo.
Un alfiler que bucea
hasta encontrar las raicillas del grito.
Y el mar deja de moverse.
Cómo, cómo fue?
Así.
Déjame! De esa manera?
Sí.
El corazón salió solo.
Ay, ay de mí!

(Federico Garcia Lorca)

domingo, dezembro 18, 2005

O eterno retorno

The Locust Tree in Flower

Among
of
green

stiff
old
bright

broken
branch
come

white
sweet
May

again.

(William Carlos Williams)

Folhas nº 11 Letras & Ofícios

O Grupo Poético de Aveiro lançou ontem , 17, o nº 11 da revista antológica de poesia e prosa «Folhas Letras & Outros Ofícios», na Biblioteca Municipal de Aveiro. Vinte são os autores que integram esta obra, predominantemente poetas: Aida Viegas,Ana Carla Amaro,Andrea Henriques,António Luís Oliveira,Aseiçaneves,Carlos Barata,Ivar Corceiro,J.T.Parreira,Jorge Pedro Ferreira,José Barreto,Maria Virgínia Monteiro,Nuno Sobral,Olinda Beja,Orlando Jorge Figueiredo,Regina,Tiónio Delmar,Gaspar Albino,José António Franco,Pedro Jordão e Zé Lu.

sábado, dezembro 17, 2005

O que disse o poeta a propósito do galo

O galo
é o alvoroço
das manhãs

O galo
é uma arquitectura

O galo
na ensonada manhã
é crista, bico
a furar o silêncio
com esporões medievais

O galo
crava as unhas
firmes no vento

O galo
indispensável
ao som obrigatório
das manhãs.


Bom fim de semana!

A Pergunta

Je te souris. Qu'est ce
qu'un sourire?
Une lumière envoyeé à
une étoile par une étoile.
Une odeur qui lie les
herbes en prairie
bourdonnante.
Une douce couleur la
couleur verte de mes
yeux s'emmêle dans tes
doigts.
Tu tiens dans ta main le
corps tout chuchotant de
la prairie.
Le contour de l'herbe
étroit et âpre raconte
mes yeux qui
regardent à l'infini.
Tu me souris.

( Halina Poswiatowska, Cracóvia, 1935-1967)

sexta-feira, dezembro 16, 2005

A poesia como um retrato

Fotografia

A solidão dele
Na cozinha,
Perto

Da janela
Um vaso de
Tulipas.

Portrait

os olhos dele
uma gaiola

onde um
pássaro

às vezes,
canta.

(Virna Teixeira )

quinta-feira, dezembro 15, 2005

Haicais



*

Vôo dos pássaros!

fio costurando ligeiro

o céu ao mar.

*

No canto da janela

nova linha do horizonte:

o fio da aranha.

(Tânia Diniz)

in www.famigerado.com #3

terça-feira, dezembro 13, 2005

Ezra Pound,traduções e originais-II

Uma Rapariga

A árvore entrou-me nas mãos,
A seiva subiu-me pelos braços,
A árvore cresceu-me no peito -
Para o chão
Crescem os ramos de mim, como braços.

Árvore és,
Musgo és,
És violetas com o vento sobre elas.
Uma criança -desta altura- és,
E tudo isto é loucura para o mundo.

(Ezra Pound)
Tradução de J.P e Carmo

N.Y

My City, my beloved, my white! Ah, slender,
Listen! Listen to me, and I will breathe into thee a soul.
Delicately upon to reed, attende me!

Now do I know that I am mad,
For here are a million people surly with traffic;
This is no maid.
Neither could I play upon a reed if I had one.

My City, my beloved,
Thou art a maid with no breasts,
Thou art slender as a silver reed.
Listen to me, attend me!
And I will breathe into thee a soul,
And thou shalt live for ever.

(Ezra Pound)

segunda-feira, dezembro 12, 2005

Ezra Pound, traduções e originais -I


A Girl

The tree has entered my hands,

The sap has ascended my arms,

The tree has grown in my breast--

Downward,

The branches grow out of me, like arms.

Tree you are,

Moss you are,

You are violets with wind above them.

A child-- so high -- you are,

And all this is folly to the world.

(Ezra Pound)

Un Pacto

Haré un pacto contigo, Walt Whitman-

Te he detestado ya bastante.

Vengo a ti como un niño crecido

Que ha tenido un papá testarudo;

Ya tengo edad de hacer amigos.

Fuiste tú el que cortaste la madera,

Ya es tiempo ahora de labrar.

Tenemos la misma savia y la misma raíz-

Haya comercio, pues, entre nosotros.

(Ezra Pound)

Continua...

domingo, dezembro 11, 2005

sábado, dezembro 10, 2005

Uma Flor na Escada

Como um boi que bate no silêncio
da aldeia, na calçada amanhecida
com seus cascos lentos
como um pássaro que fugiu da janela
uma flor como um detalhe
de Deus, rasgou a escada
aos pés dos homens, entre a pedra
e os céus, a flor humilde
aos pés dos que amaciam os degraus
como a água que respira a fonte
que corre nos mantos interiores da terra
à superfície a flor sobe
fina e débil, porém encostada ao sol
a flor desenha no ar, superior
aos pés arrastados dos homens.


Bom fim de semana!

sexta-feira, dezembro 09, 2005

2 Inéditos de Fernando Pessoa

Organizados pela prof.Manuela Parreira Silva, três volumes da poesia órtonima do Poeta vão sair sob a chancela da Assírio & Alvim. O JL, na sua edição do dia 7, fez publicar oito das duas centenas e meia de poemas inéditos. Desses, com a devida vénia, o Blog insere dois, um na língua materna do poeta, outro na sua língua de cultura, o inglês.

Fonte
Fresca e viva
A água aviva
Só de ouvida,
Minha Vida.

Sinto mais
Leves, ais
Minha dor
Quasi amor.

Fonte calma
Dou-te a alma
Dá-me a tua
Fresca e nua

Já que a aurora
A ambos doura,
Minha irmã
Na manhã.

10.-4-1912

(Poem)
A Girl, thinking of her lover, on a chair on the deck
of a liner.

Behind this chair's soft impression against my back,
Thrilled through with the sensation of my neck
Of the propeller throbbing right across my dream
Of the night when we kissed, the ship doth seem
To cross my vision of that night, the deck
Lies between our kisses' taste, a flock
Of smoke seen floating suddendly over the awning on
the deck
And the summer night far away is still there.

29-5-1915

(Fernando Pessoa)

quinta-feira, dezembro 08, 2005

O Tempo que passou

Nº 248-249, Maio 1964


Maria Sende

Havia o vento sobre as cabeças dos milhos,
havia a chuva sobre as águas dos rios
e havia a carícia de fogo do cavalo-marinho
sobre as cabeças dos homens.

E na longa noite de África
havia
almas perdidas em desejos de vida
canções serumadas de angústia
mãos duras da masturbação das facholas
e bocas aluadas
de gritos de batuque.

E nós, Maria,
homem e mulher de mãos dadas
juntos e perdidos na espiral dum sonho
sem raça!

(José Craveirinha)

terça-feira, dezembro 06, 2005

O Poema

Um poema como um gole d'água bebido no escuro.
Como um pobre animal palpitando ferido.
Como pequenina moeda de prata perdida
para sempre na floresta noturna.
Um poema sem outra angústia que a sua misteriosa
condição de poema.
Tiste.
Solitário.
Único.
Ferido de beleza mortal.

(Mário Quintana)


No Princípio

Pássaros aprendendo para sempre
a sobrevoar os rios.
E sob as árvores os pássaros
descansavam do milagre
da longa manhã azul,
sob as árvores,
dentro da sombra.




segunda-feira, dezembro 05, 2005

Anotações na margem de um Salmo

Contra os lobos defenderei a casa
de meu Pai, as suas ovelhas
contra o raio que se esconde
entre nuvens, por detrás das árvores,
as suas crias serão um só balido,
e quando o frio ranger os ossos
não lhes faltará o lume,
defenderei os pastos e as raízes
das torrentes que partem depois
num rio profundo,
defenderei a casa de meu Pai
contra o vento,
que no céu arrasta o trovão.
Não lhe faltará nunca
o apaziguamento
e as suas paredes serão tranquilas.

O Tempo que passou


Soneto Presente

Não me digam mais nada senão morro
aqui neste lugar dentro de mim
a terra de onde venho é onde moro
o lugar de que sou é estar aqui.

Não me digam mais nada senão falo
e eu não posso dizer eu estou de pé.
De pé como um poeta ou um cavalo
de pé como quem deve estar quem é.

Aqui ninguém me diz quando me vendo
a não ser os que eu amo os que eu entendo
os que podem ser tanto como eu.

Aqui ninguém me põe a pata em cima
porque é de baixo que me vem acima
a força do lugar que fôr o meu.

(J.C. Ary dos Santos)



sábado, dezembro 03, 2005

Las Religiones, de Orozco

A Mãe

Para MJP

Poucas letras sabe, as pérolas
são o filho, a filha, os netos
os bisnetos, todos
os filósofos
não são mais do que seus dedos
quando tínhamos tão frágeis
os cabelos
a sua geografia é pouca
é a beira
do sol no Alentejo
poucas letras sabe
de história, só como foi
naqueles anos dura a vida
e da arte pouco ou nada
jamais soube da orelha
cortada de Van Gogh
conhece Deus
e esse saber é o bastante
para nos trazer a vida iluminada.

sexta-feira, dezembro 02, 2005

O (nosso) Tempo que passou

«Janelas do meu quarto,(...)
Dais para o mistério de uma rua cruzada constantemente por gente,(...)
Com a morte a pôr humidade nas paredes e cabelos brancos nos homens »

(Álvaro de Campos )


Bom Fim de Semana!

O Pobre


O Cristo solitário, hamletiano?,
de Ivan Kramskoy
















"O Filho do homem não tem onde reclinar a cabeça."
Mateus,VIII,20


As aves têm o céu
no seu ninho

As raposas onde esconder
o seu olhar

Eu estou sozinho, sem pedra
onde pousar o meu sono

e onde meu corpo passa
vai minha casa.

O Tempo que passou

Poema

As palavras mais nuas
as mais tristes.
As palavras mais pobes
as que vejo
sangrando na sombra e nos meus olhos.

Que alegria elas sonham, que outro dia,
para que rostos brilham?

Procurei sempre um lugar
onde não respondessem,
onde as bocas falassem num murmúrio
quase feliz,
as palavras nuas que o silêncio veste.

Se reunissem
para uma alegria nova,
que o pequenino corpo
de miséria
respirasse o ar livre,
a multidão dos pássaros escondidos,
a densidade das folhas, o silêncio
e um céu azul e fresco.

(António Ramos Rosa)


Bom dia!


quinta-feira, dezembro 01, 2005

Sem-Abrigo


Quebra
o frio com as mãos
apertadas, um laço
que resiste
na cara da morte
Quebra
o gelo no amor
oculto entre um jardim
aperta as mãos
em cacho
fechado sobre as gretas
que restam aos dedos
sulcos
que um dia ficaram
sem trabalho.