sábado, janeiro 31, 2009

O poeta no desemprego


(Paráfrase de um poema de Charles Bukowski)


Há muitos portugueses licenciados em literatura
Que sonham ser Andrade
Ou Jorge ou Campos
Quando a melhor coisa a que podem
Chegar é ser óptimos
Caixas nas lojas Pingo Doce.

quinta-feira, janeiro 29, 2009

Metropolitano

(c) Myron Heise, Subway Sonata, painting

Pessoas à espera
há algum tempo
que as linhas tremam

todos pensam nas composições
como, se há lugares
a lotação esgotada

todos pensam apanhar
a porta mais
à mão

ninguém quer perder a luz
que vem do fundo
do tunel.
29/1/2009

quarta-feira, janeiro 28, 2009

O Lirismo da Classe Média americana morre

Ontem, já o NYT noticiava: morreu o romancista e poeta John Updike, 76 anos. O mesmo jornal fazia a classificação do autor de Corre, Coelho, Corre como o escritor lírico do homem da classe média. Um dia descreveu turistas, da classe média?, em visita aos «grandes navios verdes» ( metonímia exuberante) que são as ilhas dos Açores. Há mais de trinta anos, Jorge de Sena traduziu e publicou esse poema.

Açores


Grandes navios verdes
eis que navegam
ancoradas, para sempre;
sob as águas

enormes raízes de lava
prendem-nas firmes
a meio do Atlântico
ao passado.

Os turistas, pasmando
do convés
proclamam aos guinchos lindas
as encostas malhadas

de casinhas
[confettis] e
doces losangos
de chocolate [terra].

(excerto)

in Poesia do Século XX, Editorial Inova, Porto, 1978

terça-feira, janeiro 27, 2009

Hamlet on stage


Hamlet chega ao palco no nevoeiro sonha
Hamlet é um jovem príncipe perturbado
O espectro surge do lado do mar
Passeia a macia talha de lã
Da sua túnica Hamlet muda
De rosto a máscara alegre
Sai do seu lugar e carregado
Agora de nuvens e presságios
De morte surge no palco
Nenhum espelho lhe remete
Respostas ao ser e não ser.

sexta-feira, janeiro 23, 2009

Novo poema da América



*Mapa das estradas de 1961


Para Barack Obama

«América dei-te tudo e agora não sou nada.
América quando serás tu angélica?»
Allen Ginsberg



Mas fica a saber América-
O chão moveu-se debaixo
dos nossos pés, um sismo
de vozes ancestrais turbilhonou
placas teutónicas suavemente
juntaram as nações, as distâncias
emendaram corações próximos
para a ternura, América
fica a saber – o sol vai brilhar
de novo nos quatro cantos do mundo
América, vai ser outra coisa.

quinta-feira, janeiro 22, 2009

Novos Cantares

Gustav Klimt



Os seios da Amada como os templos
comunicam
os mistérios divinos

São duas fontes
de onde já correu o leite
perfumado da primeira aurora

O peito da Amada encerra
tesouros profundos, o coração
é um delta de diamantes

Enriqueceu dias áridos
na espera febril dos lábios
inocentes dos filhos

que dormiram entre luas perfeitas
e beberam, como um sol bebe
as águas que secam sobre a terra.

14-10-2008

terça-feira, janeiro 20, 2009

O primeiro poema expressionista-Jakob van Hoddis


Famoso poema, publicado em revista em 1911. É considerado o primeiro expressionista.
Optamos por uma tradução a partir do inglês, sem usar a rima, mas procurando pelo menos manter a dicção do verso com motivos expressionistas, adequada à visão irónica e grotesca desse movimento artístico da primeira década do Século XX.

O Fim do Mundo (Weltende)

Um chapéu voa destapando um burguês.
Todo o ar ressoa como um grito.
Aterram os telhados e quebram-se em dois.
A costa- lê-se nos jornais-está cheia das marés.

A tempestade aí está, o tropel dos oceanos
desembarca e esmaga os grossos diques.
A constipação de muita gente vê-se no nariz,
e os comboios caem nos túneis.

(Trad. de J.T.Parreira)

segunda-feira, janeiro 19, 2009

Balanços (II)

3 idiomas para um só poema

Steinway & Sons

Três pernas do Steinway
elevam uma sinfonia
de pássaros nas veias

acima do soalho
esbeltas
pernas do Steinway

como a mulher
escutada lentamente
no seu vestido negro.

2007

domingo, janeiro 18, 2009

A Cidade do Poema


(Arranjo fotográfico de Gustavo Parreira)

A cidade do poema não tem
ruas fechadas
basta soltar a voz
libertar o coração no horizonte

nenhuma palavra é estrangeira
nenhum pensamento bizarro
nenhuma emoção verdadeira
nenhum som queima como cigarro
aceso à soalheira

na cidade do poema
à sombra da árvore das palavras
todo o chão é sagrado
à sua maneira.

16/1/09

(Brissos Lino)

sexta-feira, janeiro 16, 2009

Dia-D


Homens e peixes esperam
nas pequenas colinas
do mar

mãos carinhosas virão
como vieram as nuvens baixas
e o vento dançando nas águas.

16/1/2009

quinta-feira, janeiro 15, 2009

Um poema de um Amigo

AMIGO
Ao amigo J. T. Parreira

Um amigo ata as pontas soltas
do tempo
desenleia o novelo
da distância
valoriza as migalhas na mesa
do prazer
protege as costas na esquina
dos desencontros
e tece um sonho comum

um amigo custa caro
o salário da vida toda.

14/1/2009

Poema de Brissos Lino

terça-feira, janeiro 13, 2009

Lição para fazer uma poesia


CANCIÓN 51

En un verso de ocho sílabas
?qué no cabrá,
si es una y tan sólo en ella
cabe el mar?

Ocho sílabas son muchas
para cantar.
Me basta una que tenga
por dentro el mar.

(Rafael Alberti)





CANÇÃO 51

No verso de oito sílabas
o que não caberá?
se em uma e tão só nela
cabe o mar?

Oito sílabas são muitas
para cantar.
Chega uma que tenha
dentro o mar.

(Trad.JTP)

segunda-feira, janeiro 12, 2009

Na Universidade Sénior, Setúbal



Apresentação do livro de poesia “Os Sapatos De Auschwitz”,
em Setúbal, na Universidade Sénior (aula de poesia)
e Palestra no Clube Setubalense, 14 de Janeiro, às 15 horas.

sexta-feira, janeiro 09, 2009

Os olhos de Vincent



Que não havia música nos teus olhos
só dois pontos verdes, azuis, roxos
debaixo da sombra das pálpebras

Era aí que guardavas as telas
que deslumbravas com o trigo
o negro dos corvos

É o que sabemos agora, face aos despojos
da tua vida

Não havia música nos teus olhos
só sombras nos lábios
Era aí que pintavas a cor da tua morte
Rústica sobre as searas.


8/1/2009

quarta-feira, janeiro 07, 2009

Companheiros da Ilha




Ponhamos uma pedra sobre o assunto
sobre a ilha
Depois de tanto tempo, Companheiros
ainda temos Ítaca nas mãos e sal
nos olhos, façamo-nos ao mar

Ao mar
azul e ferido pelo bico das gaivotas

Carecemos da mente
que está no firmamento
das estrelas estendidas
sobre o mar?

A noite aveludará nosso sono
e o amor será um alvor no horizonte

Contra os ventos de Éolo, o embalo
das vagas nos poisará na praia
aos pés de Ítaca.

21-12-2008

segunda-feira, janeiro 05, 2009

Kaddish por nós


Quando eles nos mataram
a nossa cinza falou por nós
quando mataram nossos filhos tivemos mais
quando mostraram as nossas mulheres nuas
nossos olhos fecharam para sempre
houve cidades em que o vento
não trazia pássaros
mas cinzas.


5-1-2009

sábado, janeiro 03, 2009

Balanços (I)

Há 2 anos FAMIGERADO, revista electrónica de literatura & adjacências, publicava-nos traduções de Charles Bukowski e Giuseppe Ungaretti.

sexta-feira, janeiro 02, 2009

El Cante


Por ouvir Camarón de la Isla


Finca os pés no tablado
bate, esparge uma língua de vento
apalpa nas palmas
das mãos com detalhes
o silêncio

A música segura os olhares
e os ouvidos, sobe
o corpo moreno

até à varanda de cravos
mais alta de um pátio
andaluz, alguém triste
nos seus sonhos
rasgará la luna.

20-12-2008

quinta-feira, janeiro 01, 2009

"Carta a Saramago" por causa de ninguém morrer

« México, D.F., 15 de enero de 2008
(Enviada a su domicilio en Lanzarote, Islas Canarias)

Sr. José Saramago:

Por diversos medios he buscado decir mi verdad. Busco justicia ante un atropello.

Yo no sé si a usted le hicieron llegar las ideas o el texto de mi cuento como si fuera anónimo. O quizá a usted le ayudaron a redactar su novela. Quizá nunca se imaginó que detrás de ese texto había un ser humano, un mexicano de carne y hueso que generó originalmente planteamientos, argumentos, expresiones que a la postre aparecieron en su novela. Quizá, quizá, quizá... pero finalmente al firmar esa obra usted se convirtió en el responsable de haber derivado una obra literaria de otra original sin la debida autorización y eso señor constituye un delito.

Es así como su novela Las intermitencias de la muerte se basó en mi cuento ¡Últimas noticias!, el cual dentro de una colección fue debidamente registrado ante las autoridades del derecho de autor desde 1986.

¿Por qué recurrió a este artificio que mancha su reconocida trayectoria?
¿Por qué?

Quisiera una respuesta.

¿Cómo fue todo esto posible? ¿El señor Sealtiel Alatriste le hizo llegar el texto o se lo presentó como una fabulosa idea original? ¿Qué papel cumplió su agente literario?

No permita que el tiempo nos rebase. Lo invito a confesar la verdad.

Es muy posible que a mí me inunde la tristeza y la desazón, mas puedo levantar la frente con orgullo. ¿Usted puede dormir tranquilo?

Teófilo Huerta Moreno »
(Autor do conto "Últimas Notícias")


in saramagoplagiario.blogspot.com