sexta-feira, fevereiro 24, 2012

AVISO


O piano reserva o direito
de quebrar as teias
do silêncio

de abrir com a clave de sol
a porta
adormecida dos ouvidos
o piano conserva ainda
o porte majestoso
em que recaem olhares silenciosos
todos os não-seres esperam
nada, mas a luz virá
apagar as sombras como água.


 
23/2/2012

terça-feira, fevereiro 21, 2012

Ouvir a Grécia


 “Um grego só entre os deuses se há-de achar”
Konstantinos Kaváfis


No meio dos bárbaros da Europa, a voz do teu senado
espera, em silêncio de pedra, a tua voz dos mármores
ouve-se mas é impenetrável
és um texto que teus poetas guardam
sobre a força esbelta das colunas
susténs ainda
nos frisos a sageza dos rostos das mulheres
e a provocação caindo sobre um peito
a alça de um vestido
Tu és Antígona que desautoriza o rei.

21/2/2012
 

quinta-feira, fevereiro 09, 2012

Manso como boi de carga




Poema inédito de Brissos Lino


(…) o Oceano Pacífico com a sua paciência semelhante à eternidade (…)
Antonio Skármeta


Manso como boi de carga
silencioso como mulher de esperanças
prenhe de baleias e mistério
desafio de navegadores e poetas
quieto como a eternidade que sabe
as coisas dos tempos
este pacífico oceano apura há milénios
a arte de ficar.

9/2/2012

© Brissos Lino

segunda-feira, fevereiro 06, 2012

Um gato num apartamento vazio


 Wislawa Szymborska
Morrer - isso não se faz a um gato.
Porque o que pode fazer um gato
num apartamento vazio.
Escalar paredes.
Afagar-se contra os móveis.
Parece que aqui nada mudou
contudo, as coisas estão diferentes
Que nada se moveu,
mas está tudo misturado.
E aquela lâmpada durante a noite já não arde.

Ouvem-se passos na escada,
todavia não são esses.
A mão que coloca o peixe no prato
não é já a mesma mão.

Há aqui alguma coisa que não começa
à hora do costume.
Há algo que não acontece
como deveria.
Alguém esteve aqui e esteve
e de repente desapareceu
e agora é um ausente obstinado.

 Foram revistos todos os armários
e todas as prateleiras percorridas.
Não resultou deslizar sob o tapete.
Mesmo a regra de não espalhar papéis foi violada.

Que mais se pode fazer?
Dormir e esperar.

Deixá-lo regressar,
ou pelo menos que se mostre.
Vai aprender
que não se pode tratar assim um gato.
Irá em direcção a ele fingindo relutância,
devagar,
sobre as patas ofendidas.
Sem saltar nem ronronar à primeira.

Trad. do inglês J.T.Parreira

domingo, fevereiro 05, 2012

A Orquestra do Titanic



O fox dos ahogados sin consuelo”
Joaquim Sabina y J.M.Serrat


A orquestra do Titanic inclina os sopros e as cordas
soam como um alarme os címbalos
contemplam as estrelas
o dorso do barco inclinado
o seu rasgão mortal
um flautista de Hamelin vai repetir
a dança, lá fora está o frio
no espelho partido do Atlântico
cercado
por sólidos castelos de luar.
5/2/2012

quinta-feira, fevereiro 02, 2012

EXEMPLO, poema de Wislawa Szymborska

A ventania
despiu todas as folhas das árvores na última noite
excepto uma folha
deixada
para brincar na solidão de um ramo nu


Com este exemplo
a Violência demonstra
que sim, senhor
tem sentido de humor de vez em quando.

(Tradução de J.T.Parreira)

EXAMPLE

A gale
stripped all the leaves from the trees last night
except for one leaf
left
to sway solo on a naked branch.

With this example
Violence demonstrates
that yes of course –
it likes its little joke from time to time.

Wislawa Szymborska, a Mozart da Poesia, morreu

Bilbao, Março de 1998, ainda em Portugal não havia nenhum livro traduzido de Wislawa Szymborska, encontrei "El Gran Número /Fin y Princípio", por 1.500 pesetas, da Prémio Nobel de Literatura de 1996. Nem o seu nome seria muito falado pelos ..."intelectuais" portugueses ( a fonética mais próxima seria com certeza "Sesimbra").

Como quase sempre, as traduções adiantam-se em Madrid ou Barcelona a Lisboa.
Parece-me que só muito mais tarde surgem "Instante" (2002), pela Relógio d'Água, e em 2004 uma Antologia "Alguns Gostam de Poesia", pela Cavalo de Ferro ( tenho ambos aqui ao lado...).
 


AS TRÊS PALAVRAS MAIS ESTRANHAS

Quando pronuncio a palavra Futuro
a primeira sílaba já pertence ao passado.
Quando pronuncio a palavra Silêncio,
destruo-o.
Quando pronuncio a palavra Nada,
crio algo que não cabe em nenhum não-ser.

Tradução de Elzbieta Milewska e Sérgio das Neves